quinta-feira, novembro 12, 2015

Wim Wenders: redes sociais e solidão (1/2)

WIM WENDERS
(FOTO: Jorge Amaral)
A passagem de Wim Wenders pelo LEFFEST foi pretexto para uma conversa sobre redes sociais, o futuro do cinema e o 3D — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (8 Novembro), com o título '“As redes sociais estão a gerar uma imensa solidão'.

A sua presença no LEFFEST envolve a revelação da versão integral de Até ao Fim do Mundo (1991), cuja rodagem passou por Portugal — qual é a duração desta versão?
Quase quatro horas e cinquenta minutos... Foi preciso esperar 25 anos até ter o direito de a mostrar.

Como é que isso aconteceu?
É uma história épica. Na altura, pensei que conseguiria convencer os produtores e distribuidores a mostrar a versão integral. Hoje, creio que seria possível: é quase como uma série, até pode ser mostrado em quatro ou cinco partes de cerca de uma hora... O certo é que ninguém acreditou que os espectadores pudessem ir ver um filme tão longo. Fui obrigado a reduzi-lo para a duração contratual de duas horas e meia.

O que sobrou, então?
Duas horas e meia num filme que devia durar cinco é um crime, uma espécie de versão Reader’s Digest. A banda sonora [U2, Nick Cave & the Bad Seeds, Patti Smith, etc.] correu bem, mas o filme não... As pessoas que já viram a versão integral acham que é como o dia e a noite, não tem nada a ver com o que foi distribuído. E dizem-me: “Agora percebemos o que estavas a querer dizer”.

Na altura, era um filme sobre o futuro. E agora, tornou-se um filme sobre o nosso presente?
Há coisas que mostramos no filme que passaram a fazer parte da realidade contemporânea: quando vejo, no metro ou nas ruas, as pessoas que andam a olhar para os seus pequenos ecrãs penso que, realmente, antecipámos tudo isso... E até mesmo a ideia de podermos visualizar os nossos sonhos. O filme não era uma metáfora sobre o visual do futuro, mas é verdade que muitas coisas aconteceram mesmo.

E como é que tudo isso tem marcado as relações humanas?
No filme, há 25 anos, o que vemos é que a tecnologia torna as pessoas mais solitárias do que nunca. E penso que assim aconteceu — é exactamente isso que está a ser gerado pelas chamadas redes sociais, ou seja, uma imensa solidão.

Talvez possamos dizer que o seu novo filme, Tudo Vai Ficar Bem, prolonga essas questões.
No plano formal, talvez. Diria que é mais sobre as diferenças entre uma relação olhos nos olhos e a possibilidade de usar uma determinada experiência para escrever um livro ou, genericamente, construir uma ficção. Trata-se de saber qual a diferença entre uma relação directa com uma pessoa e a possibilidade de a transformar em personagem de ficção.

Daí o problema moral que emerge. Será que, por vezes, um escritor ou um cineasta devia ser mais prudente na maneira como retrata alguém?
Mais prudente e mais honesto. Quando vejo um filme ou um livro “baseado numa história verídica”, começo por me rir porque, pura e simplesmente, não acredito nisso — dizer “uma história verídica” é um oximoro. E sou levado a pensar: a pessoa ou pessoas a quem essa história aconteceu sabem da existência da ficção? Sabem de que modo a sua vida foi transformada num filme, livro ou canção? É uma enorme responsabilidade a que, por vezes, se tenta fugir.

Alguma vez sentiu esse tipo de problema nos seus filmes?
Sente-se, em particular, quando lidamos com crianças. Para uma criança, o envolvimento num filme pode ser dramático. No fundo, estamos a oferecer-lhe uma família adoptiva, uma realidade em segundo grau. Quando o filme acaba, a criança é “abandonada” e, num certo sentido, tem de voltar a encontrar a sua realidade. Quando isso me aconteceu, tive a noção do espantoso grau de envolvimento das crianças com a realidade ficcionada. Por exemplo, para a pequena Alice [Yella Rottländer] de Alice nas Cidades [1974], o filme revelou-se tão marcante que, para mim, foi importante manter com ela uma relação de amizade e ter a certeza de que não se sentia perdida. No fundo, estamos a usar a sua vida para fazer ficção.

Por maioria de razão, isso acontece também num documentário.
Por exemplo, os velhos músicos cubanos que filmámos em Buena Vista Social Club [1999] tinham sido esquecidos pelo mundo... Quando o filme saíu, passaram a ser como os Beatles! E sentiram-se muito bem com isso. Mas pode acontecer o contrário e as pessoas não se quererem ver ou mostrar.